21 de março de 2006

Abrir aspas

Crianças de Pawe (Etiópia) - J. Vieira

ONDE ESTÁ A FELICIDADE?

Este é o título de um livro de Camilo Castelo Branco, homem de excessos que o atormentaram e acabaram por destruir. Mais tarde, Fernando Pessoa escreverá o belo poema «Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio», na sua pele de Ricardo Reis, e que acaba por ser também uma forma de configurar o perfil de uma felicidade.
Poderíamos continuar a enumerar escritores e filósofos que fizeram da felicidade a meta das suas pesquisas e ficções. Mitos, crenças e teorias apontam a busca da felicidade como um objectivo natural da pessoa humana. Quem não deseja atingir o paraíso, aqui e agora, ou no fim da viagem para os crentes?
No nosso dia-a-dia, são inúmeros os sinais de que aquilo que perseguimos na vida, não é mais do que descobrirmos a maneira de sermos felizes.
Uns, talvez mais as mulheres que os homens, se acreditarmos nos casos publicitados, arriscam dolorosas operações de cosmética, gastam fortunas para encher os lábios, aumentar os seios, melhorar o nariz, adelgaçar as ancas, implantar cabelos. Outros contratam conselheiros de imagem e compram reportagens para não perderem a crista da onda. Outros ainda frequentam casinos ou apostam no euromilhões convencidos de que a felicidade está no dinheiro. Há ainda quem deixe de comer ou siga dietas rigorosas para ganhar beleza e elegância. Noutras regiões, no entanto, a gordura é a condição sine qua none para se conseguir um bom casamento. Compram-se também toilettes caríssimas para disfarçar misérias ou valorizar dotes naturais. Aposta-se em tintas, pomadas, chás, bruxos, horóscopos e leitores de astros e das mãos que enriquecem à custa da tolice geral.
E assim vai o mundo, de ilusão em ilusão, perseguindo fantasmas inúteis e castradores, transformando a vida num inferno – precisamente o oposto da felicidade que perseguem.
Esquecem-se as pessoas do mais simples: viver. Na sua ânsia de forçarem a felicidade, rejeitam o óbvio: saborear as coisas simples da vida e, por isso mesmo, as únicas que nos dão felicidade. Esquecem-se de dar as mãos e gozar a beleza de nos encontrarmos, de respirarmos, de acordarmos debaixo do sol ou da chuva, de descobrir quem somos, quem és.
Quem já teve a felicidade de viver em África, privado de jornais e de televisão, longe do telemóvel e da barafunda das grandes cidades, quase sem dar conta, começou a perceber que, afinal, aquilo que nos agita e nos faz correr nas sociedades ditas civilizadas não passa de fogos fátuos que não fazem a mínima diferença e apenas servem como amarras inibidoras da liberdade. A vida simples ensina-nos a amar o prazer de sermos autênticos e livres, aliás, as colunas que sustentam a felicidade.
A felicidade está em aprendermos a aceitar, em sabermos disciplinar e abafar as paixões fomentadoras da instabilidade e dos desequilíbrios, geradores, por consequência, da dor. Como dizia Pessoa, «a vida passa e não fica, nada deixa e nunca regressa».
Leonel Marcelino

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