10 de julho de 2014

CINE ÁFRICA


Uma queniana levou a estatueta de melhor atriz secundária nos Óscares 2014 e voltou as atenções para o cinema africano.

Lupita Nyong’o foi galardoada com o Óscar de melhor atriz secundária pelo seu desempenho na película Doze Anos Escravo, que ainda não vi. A seguir, a revista People nomeou-a a pessoa mais bonita de 2014. As distinções abriram novos horizontes à atriz, esbelta e enxuta, de 31 anos e 1,65 m de altura, que nasceu no México, cresceu no Quénia, fez formação de teatro nos Estados Unidos, e despertaram a atenção sobre o bom cinema que se faz no continente.

A indústria cinematográfica africana começou a raiar na alvorada das independências e a película Borom Sarret (O Carroceiro), que o senegalês Ousmane Sembene rodou em 1963, é considerada o primeiro filme africano. A curta-metragem conta em 20 minutos a história de um condutor de carroças em Dacar, a capital do Senegal, numa parábola sobre os mecanismos da pobreza em África.

Os cineastas africanos empenharam-se em apresentar a cultura, a história e as estórias do continente para ultrapassar os estereótipos do tipo Tarzan produzidos pelos realizadores coloniais. «A primeira tarefa dos cineastas africanos é mostrar que os Africanos são seres humanos e ajudá-los a descobrir os seus valores, que podem ser postos ao serviço dos outros», proclamou o realizador Souleymane Cissé, do Mali.

O cinema africano independente foi crescendo e tornou-se presença constante no Festival de Cannes, na França, desde 1972, e noutros certames mundiais. Guardo a impressão forte que Yeelen (A Luz) de Cissé deixou em mim pela luminosidade e pelos enormes horizontes. O filme de 1987 narra a viagem de um jovem com poderes mágicos em busca de um tio para o ajudar a combater o pai feiticeiro que o queria aniquilar.

Hoje o cinema africano tem dois centros de produção maiores: Nigéria e África do Sul. Em 1972, Ola Balogun começou a adaptar ao cinema peças de teatro da cultura ioruba e deu origem a uma indústria que hoje faz mais de 590 milhões de dólares por ano. Os nigerianos produzem por ano mais de mil títulos em vídeo para o pequeno ecrã e estão quase a par de Bollywood, a indústria de cinema indiana, que lidera a produção mundial. Os filmes misturam amor, ação e feitiço, colando os telespectadores ao pequeno ecrã. O Gana segue o sistema de produção nigeriano, conhecido por Nollywood.

A África do Sul faz um cinema comercial mais do tipo de Hollywood e tira partido da diversidade de paisagens do país e dos custos de produção baixos. Tsotsi, a história de um delinquente juvenil de Joanesburgo, foi distinguido com o Óscar de melhor filme em língua estrangeira em 2006.

O cinema independente africano sofre de moléstias crónicas: dependência de fundos externos, falta de circuitos de distribuição e de salas de cinema. As películas africanas pouco mais conseguem fazer que os circuitos dos festivais do cinema, que têm quatro grandes eventos no próprio continente: o FESPACO, em Burkina Faso, um festival bienal desde 1969, o ZIFF, na ilha de Zanzibar, Tanzânia, o Cape Town World Cinema Festival, na África do Sul, e, desde 2012, o Luxor African Film Festival, no Egipto. Os poucos grandes cinemas africanos que restam vão sendo transformados em igrejas – como em Juba, clubes nocturnos ou armazéns, excepto no Quénia e na África do Sul, onde os cinemas são um dado cultural.

A indústria instituiu em 2005 os African Movie Academy Awards, com sede na Nigéria, para promover filmes, unir produtores, desenvolver novos valores, abrir canais de distribuição e criar cinemas rurais.

As novas gerações de produtores africanos estão a produzir um cinema mais intimista, filosófico e poético, em contraste com a vertente mais política dos pioneiros da Sétima Arte.

Zézé Gamboa, realizador angolano do Grande Kilapy – a história real de um Don Juan angolano antes da independência –, comentou que «muitas pessoas em Angola são analfabetas. Não podem ler livros, mas compreendem tudo sobre filmes, falam a língua, vêem as imagens. É um meio de desenvolvimento poderoso». Essa é a força do cinema africano: fala aos espectadores na linguagem que entendem. Quando o conseguem ver, sobretudo no pequeno ecrã em DVD piratas.

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