9 de janeiro de 2016

IDENTIDADE E MISSÃO


O Conselho Geral escolheu «Discípulos missionários combonianos ao serviço da alegria do Evangelho no mundo de hoje» como tema inspirador do XVIII Capítulo Geral depois de auscultar os superiores de circunscrição em fevereiro de 2014.

O tema – que parecia vago e genérico – revelou-se essencial porque deslinda a nossa identidade (Discípulos missionários combonianos) e missão (ao serviço da alegria do Evangelho no mundo de hoje) e tornou-se fonte de inspiração que uniu as mentes e os corações dos 67 capitulares como o atestam os Documentos Capitulares 2015 (DC’15).

Nesta curta reflexão, proponho-me «ler» os referidos documentos à luz do tema que os inspirou.

Discípulos missionários: o Papa recordou aos capitulares o essencial da sua vocação: chamados por Jesus para estar com Ele e serem enviados. Esta é a grande tensão que acompanha toda a nossa vida: somos discípulos missionários. O ponto de partida da nossa vocação é o chamamento amoroso e misericordioso do Senhor. A vocação não é uma escolha individual: «Ninguém tome esta honra para si mesmo, mas somente quem é chamado por Deus», lemos na Carta aos Hebreus (5,4). Parte do encontro pessoal – mas não privado – com o Senhor no contexto da comunidade (DC’15, 2) e dura a vida toda: «cada comboniano, desde o tempo do acompanhamento vocacional, cultiva o encontro com o Senhor através da oração constante» (DC’15, 48.1). Jesus é a porta de entrada para o encontro com a vida, com os outros: «é necessário manter os olhos fixos em Jesus Cristo que nos introduz na contemplação do mistério de Deus mas também no mistério do homem» (DC’15, 28).

A missão é a outra face da nossa identidade: somos enviados para testemunhar o amor do Pai através «da linguagem nova [… da] ternura, misericórdia, simplicidade, humildade» (DC’15, 48,4). Esta é a essência da nossa missão. Assim, «sonhamos com um Instituto de missionários «em saída» (EG 20), peregrinos com os mais pobres e abandonados (RV 5), que evangelizam e são evangelizados através da partilha pessoal e comunitária da alegria e da misericórdia, cooperando no desenvolvimento de uma humanidade reconciliada com Deus, com a criação e com os outros (EG 74)» (DC’15, 21).

Combonianos: o carisma de São Daniel Comboni, «nosso pai na missão» (DC’15, 3) inspira-nos no percurso missionário: «Seguindo as pegadas de Daniel Comboni, atingimos as periferias do sofrimento entre os mais pobres e não evangelizados. Este é o horizonte da nossa missão», dizem os DC’15 no número de abertura. O n.º 48.1. indica a necessidade de viver o encontro com Cristo «no dom carismático de São Daniel Comboni.» A família comboniana é descrita «como lugar carismático» (DC’15, 34) para cumprir a intuição profética do fundador e o Capítulo propõe o trabalho em rede (DC’15, 45.3) e com novas formas de comunhão, incluindo comunidades comuns (DC’15, 44.14).

Ao serviço: somos chamados a caminhar de patrões ou protagonistas auto-referenciais da missão para seus servidores: «membros de uma Igreja ministerial que evangeliza enquanto comunidade, somos provocados a converter-nos ao serviço e à colaboração» (DC’15, 25). E desafiados a ousar com a coragem «novas formas de fraternidade e de serviço» (DC’15, 43). Um serviço que pede requalificação (DC’15, 45.1, 46.2) e especialização (DC’15, 60), vivido na pequenez e docilidade ao Espírito (DC’15, 40). O serviço e a colaboração são os carris da nossa conversão. O cuidado mútuo é parte do serviço missionário a que somos chamados e inclui «a coragem da correcção fraterna» (DC’15, 31). O trabalho em rede (DC’15, 45.3) é o novo nome da colaboração.

Da alegria: Os DC’15 são um hino à alegria: usam o termo dez vezes. A Introdução destaca que a alegria brota da doação de vida a Jesus e ao seu povo e incluiu o preço do martírio (DC’15, 4). No número 33 lemos: «Sentimos necessidade de recuperar o sentido de pertença, a alegria e a beleza de ser verdadeiro “cenáculo de apóstolos”, comunidade de relações profundamente humanas». Isto porque, como escreve Paulo aos Romanos (14, 17), «o reino de Deus […] é justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.» A saída é sublinhada como «fonte da nossa alegria» (DC’15, 28). Se a alegria se afigura demasiado estridente para espiritualidades mais sisudas, por ser substituída pela graça – que em grego partilha com a alegria a mesma raiz.

Do Evangelho: O Evangelho é o fundamento da vocação, da vida comum e da missão. É, primeiro, Palavra de Deus para nós, «escutada, vivida, celebrada e anunciada, que toque e inspire todas as dimensões da nossa vida missionária nos âmbitos pessoal, comunitário, de missão, economia e governo (EG 174)» (DC’15, 30), «meditada e partilhada» (DC’15, 48.2). Que nos remete para a lectio divina como oração típica individual e comunitária do missionário e essencial para o discernimento evangélico. A partilha do Evangelho da alegria é também o serviço missionário a que somos chamados na Europa: «ter “a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20)» (DC’15, 46.1).

No mundo: na nossa vida comunitária e pessoal há uma tensão a resolver entre a necessidade de privacidade e a chamada à proximidade, entre recolhimento e acolhimento, recato e relação. O Papa Francisco preconiza uma Igreja «em saída», que deixa a zona de conforto para chegar às periferias humanas e geográficas. Os DC’15 também realçam um ponto assente da antropologia cristã: «O apelo a sair de si mesmos e ir ao encontro dos outros sublinha a visão cristã de pessoa como ser em relação, em contraposição com uma cultura individualista cada vez mais invasiva» (DC’15, 27). As comunidades combonianas são desafiadas a ser «lugares de acolhimento com uma atitude “em saída”, abertas aos que são atraídos pelo nosso testemunho missionário: isto nos ajudará a viver relações renovadas» (DC’15, 48.3), espaços acolhedores e atrativos (DC’15, 48.3), vocacionais (DC’15, 37), de animação missionária e laboratórios da interculturalidade (DC’15, 47.6), o chão teológico e sagrado onde operamos. A proximidade às pessoas e sobretudo aos pobres é reconhecida como «fonte importante da vida espiritual» (DC’15, 48.1).

De hoje: o hoje de Deus, da humanidade e da natureza, é o lugar teológico da missão. DC’15, 22 diz: «Queremos continuar à escuta de Deus, de Comboni e da humanidade, para colher e apontar na missão de hoje os sinais dos tempos e dos lugares». Viver o hoje do serviço missionário é viver em estado permanente de discernimento, assente «[n]a colegialidade, subsidiariedade, co-responsabilidade, interacção entre as circunscrições e uma liderança partilhada.» (DC’15, 41). Daniel Comboni «chama-nos a ser um “pequeno cenáculo de apóstolos” (E 2648), sempre prontos a actualizar o nosso carisma perante os novos desafios missionários» (DC’15, 3). Os desafios não nos atemorizam: desafiam-nos a caminhos novos de conversão.

É esta a graça maior do XVIII Capítulo Geral que, por intercessão de São Daniel Comboni, peço a Deus para nós e para o Instituto.

Sem comentários: