16 de novembro de 2016

PROFECIA DA INTERCONGREGACIONALIDADE


Pertencemos a uma sociedade feita de grandes contrastes: vivemos numa aldeia globalizada, à distância de um clique, cada vez mais ensimesmados, medrosos, inseguros. As campanhas eleitorais para a permanência do Reino Unido na União Europeia e as presidenciais americanas são dois exemplos recentes de como o medo e o egoísmo cortam as asas do sonho e da cidadania.

O Papa Francisco descreve o planeta em que vivemos como um mundo «dilacerado pelas guerras e a violência, ou ferido por um generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros, visando o próprio bem-estar» (EG 99).

Por outro lado, na Carta Apostólica às pessoas consagradas para proclamação do Ano da Vida Consagrada, define a profecia como a especialidade da vida consagrada. «Espero que “desperteis o mundo”, porque a nota característica da vida consagrada é a profecia» (nº 2), diz-nos.

Estas duas citações enquadram bem a dimensão profética da intercongregacionalidade. Num mundo marcado pelo individualismo globalizado as consagradas e consagrados são chamados a despertar a sociedade para a mística do encontro e da convivialidade através de sinais proféticos de comunhão.

A intercongragacionalidade – o trabalho conjunto de congregações diferentes em prol do bem comum – é uma maneira de ser profecia num mundo cada vez mais virado para a imagem. Somos chamados a passar do selfie narcisista da moda ao retrato completo (e complexo) do conjunto.

Não é um sonho novo! Daniel Comboni propô-la como o caminho para «fortalecer» a evangelização da África Central há mais de 150 anos. Explica que o Plano para a Regeneração da África através da África – que escreveu em 1874 – «tende a pôr em jogo em favor da África todos os elementos e forças já existentes do catolicismo e criar mais» (Escritos 1343).

Conseguiu arrolar as Irmãs de São José da Aparição e os Camilianos durante uma dúzia de anos, mas acabou por ter que fundar os dois institutos combonianos para o levar para a frente, insurgindo-se contra a «mentalidade fradesca» que fechava o horizonte dos institutos no umbigo nos próprios interesses.

A intercongrecionalidade é uma maneira prática de usar os recursos humanos dos institutos – a envelhecer e a diminuir – em favor de sonhos comuns, do passar cada um por si e Deus por todos ao todos por um e um por todos, para fazer mais e fazer melhor, sinais concretos de que o Reino já está no meio de nós.

São Paulo diz que os carismas são plural mas partilham a origem comum no Espírito Santo e estão ordenados para o bem comum (1 Coríntios 12, 4-11). A intercongregacionalidade, vivida como gesto profético, não dilui ou anula as inspirações carismáticas históricas de cada instituto, mas celebra a complementaridade e subsidiariedade dos muitos carismas para o bem de todos.

Hoje, há bastantes e lindas experiências de intercongregacionalidade.

A que melhor conheço é Solidariedade com o Sudão do Sul (na foto) que vi nascer: 30 pessoas (17 mulheres e 13 homens de 15 países dos cinco continentes, leigos e consagrados de 17 congregações), apoiadas por 260 congregações a nível de direção geral e umas 30 ONGs formam professores, enfermeiros, obstetras, agricultores e líderes comunitários no país mais jovem do mundo há oito anos, vivendo, trabalhando e celebrando juntos em quatro comunidades.

O Ir. António Nunes, um enfermeiro comboniano, faz parte desse consórcio. «Estou a viver esta nova maneira de ser comboniano: tenho a dizer que tem sido uma agradável surpresa! Os meus receios de viver numa comunidade de freiras e frades de outras congregações foi-se dissipando com o tempo... Afinal de contas o viver em comunidade tem muito a ver com o que nos une: a missão que Jesus nos deixou», atesta.

Na Itália, há pelo menos duas comunidades femininas intercongregacionais dedicadas ao acolhimento dos refugiados e uma comunidade mista que sensibiliza a Igreja e sociedade locais para os acolher.

No Brasil, há muito que noviças e noviços fazem parte do caminho formativo juntos durante sessões temáticas de formação prolongadas.

É interessante notar que o Papa convida os mosteiros de clausura a federarem-se e a «promover casas de formação inicial comuns a vários mosteiros» nas disposições da Constituição Apostólica Vultum Dei quaerere sobre a vida contemplativa feminina de 29 de junho deste ano.

Finalmente, a intercongregacionalidade só faz sentido se for um exercício de comunhão eclesial à volta de uma acção comum. Não pode ser assumida como estratégia de sobrevivência. Quando deixamos de nos preocupar com o carisma e usamos as energias para a autopreservação estamos condenados ao fracasso.

A intercongregacionalidade pode parecer um grande desafio, mas – como escreveu o António – torna-se fácil e dissipa todos os receios se partir do dominador comum que nos une: de Jesus e do seu Evangelho como a Regra de Vida que todos partilhamos.

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