15 de julho de 2017

Obituário: P. ROGÉRIO ARTUR DE SOUSA


29-4-1933 | 24-6-2017

Era visível que o P. Rogério Artur de Sousa se estava a apagar como uma lamparina a consumir as últimas gotas de azeite. Andava mais calado, gostava de se sentar no presbitério junto ao Santíssimo Sacramento em silêncio enquanto a comunidade rezava as laudes com as combonianas e alguns leigos. Deixou de usar a prótese dentária. Mas mantinha o sentido de humor: da última vez que estive com ele, bateu-me com a inseparável bengala na cabeça com carinho e disse: «Ó provincial, continuas a crescer!»

Entretanto, é internado a 15 de junho no Hospital São Teotónio de Viseu com um quadro de insuficiência cardíaca e tem alta uma semana depois. No dia 24 de junho sente dificuldades para jantar e por volta das 20h00 retira-se para o quarto. Dada a respiração difícil e laboriosa é chamada a emergência médica que se limita a confirmar a morte. O P. Rogério entra no Céu no dia em que a Igreja celebra o nascimento de São João Batista. O decano dos padres combonianos portugueses conta 84 anos de idade.

O P. Rogério nasce a 29 de abril de 1933 no lugar de Sargaçais, paróquia de Souto de Aguiar, concelho de Aguiar da Beira do casal de agricultores António Augusto de Sousa e Rosa de Jesus.

Dos oito filhos do casal (duas mulheres e seis homens) cinco enveredaram pela vida religiosa: uma moça entra nas Irmãs Doroteias e quatro moços nos combonianos: dois padres (P. Rogério e P. José de Sousa) e dois irmãos (o Ir. Miguel dos Santos que falece em 1979 em Coimbra e o Ir. Jorge Fernandes de Sousa que, entretanto, deixa o Instituto no Brasil).

O P. Rogério entra para os combonianos do Seminário Maior de Viseu em 1951. Faz o noviciado em Gozzano (Itália) e os primeiros votos a 9 de setembro de 1954 em Viseu juntamente com o Ir. António Martins da Costa – os primeiros dois portugueses a professar no Instituto sete anos depois de os combonianos terem chegado a Viseu.

Cursa teologia em Venegono (Itália) entre 1954 e 1957 e em Viseu no ano de 1957-1958. Faz a profissão perpétua em 10 de março de 1958 e é ordenado a 27 de julho em Viseu onde permanece como professor até 1960.

Nesse ano parte para Moçambique para a missão de Lunga. Regressa a Portugal em 1962 e integra a equipa que produz a revista Além-Mar em Paço d’Arcos. Dois anos depois, vai para VN de Famalicão como formador do seminário menor.

Em 1967 retorna a Moçambique como capelão militar. Três anos depois volta ao serviço missionário ativo em várias missões da diocese de Nampula: Carapira (1970-1971), Nacala (1971-1974), Mossuril (1974-1976) e Memba (1976-1987).

O P. Rogério faz parte do grupo de 11 combonianos expulsos de Moçambique a 13 de abril de 1974 em retaliação pelo Um Imperativo de Consciência escrito pelo Bispo Manuel Vieira Pinto e pelos combonianos.

Volta a Moçambique logo que a situação política o permite. Nos primeiros anos da independência os tempos são difíceis. Escreve a 5 de dezembro de 1981 de Namahaca: «Por aqui vai-se vivendo e até finalmente depois da conclusão das aulas a 25/11 se vai respirando um pouco de alívio. Não haja dúvidas que de 3/9 até fins de novembro foi preciso trabalhar como um moiro. Na diocese, vamos tendo quase por toda a parte possibilidade de contactar com os crentes. Há 15 dias também no Monapo se abriram as portas. Aguardamos ainda quanto a Mussoril, Lunga e Mueria.»

Em 1987, regressa a Portugal e fica em Lisboa até 1993 como membro da redação das revistas. Além de escrever (assina os artigos com o seu nome e também usa pseudónimo), traduz muito material do italiano para português.

Em 1993, o Conselho Geral destinou-o ao Brasil, mas nunca chega a partir porque «a Vinda Intermédia de Jesus – que ainda não é a derradeira – está para breve.»

Passa dois anos fora de comunidade, é reintegrado em Lisboa, transferido para VN Famalicão para o serviço de confissões e em 2013 vem para Viseu para o Centro de Acolhimento da Província.

O P. Rogério é um missionário humilde e zeloso com uma grande devoção à Divina Misericórdia. Tenta dar corpo a um movimento laical – Missionários da Divina Misericórdia – inspirado nos escritos e visões de Santa Faustina, fruto de uma inquietação antiga: «Já há muitos anos venho sentindo uma necessidade grande de divulgar e manifestar sobremaneira a Misericórdia de Deus, para que nestes tempos que também são de confusão e afastamento de Deus, os homens e o mundo reencontrem com alegria “as fontes da Salvação” para as quais o Coração Trespassado de Jesus não deixa de apontar.» Um projeto que lhe acarreta inúmeras dificuldades com o Instituto.

O P. Rogério também faz parte do Renovamento Carismático e propõe aos superiores investigar o tema Comboni e o Divino Espírito Santo e escrever um livro sobre o tema.

Para o P. José de Sousa, o seu irmão «foi sempre em tudo como Missionário Comboniano. A experiência que ele fez de estar fora da comunidade em Lisboa trouxe-lhe muito entusiasmo na fé e muito sofrimento. Rogério levou sempre a vida e o sim a Comboni muito a sério. Como difusor com livros próprios da Divina Misericórdia sofreu críticas exageradas, injustas acerca desse assunto que foi plenamente assumido por São João Paulo II e a festa/domingo da Divina Misericórdia. Uniu-se à Cruz com uma entrega total nas mãos de Deus esquecendo tudo o que o fez sofrer. A devoção ao santo Padre Pio o confortou e conformou.»

O P. Claudino Ferreira Gomes descreve bem o P. Rogério: «Seja o Senhor louvado pelo seu servo e amigo, que tanto esperava a vinda de Jesus. Será feliz quando o Senhor em Pessoa lhe explicar esse mistério. Entretanto, eu agradeço a Deus pela dedicação missionária e pastoral e pelo espírito contemplativo do P. Rogério. E por todas as vezes que me atendeu de confissão até há pouco tempo, aconselhando sempre com zelo e sabedoria.»

O advogado Dr. Aurélio Pinto, antigo aluno comboniano recorda o P. Rogério sobretudo como pedagogo: «Não posso deixar de manifestar a tão grata memória do saudoso Padre Rogério, pela relevância que teve na minha formação e educação religiosa e humana, de que me apraz destacar o seu sentido de prática de justiça e rigor, moldados pelo amor cristão que certamente orientavam a sua vida.»

É este missionário que agradecemos, celebramos e entregamos ao Senhor das misericórdias.

P. José Vieira

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